terça-feira, 20 de maio de 2008

- Mundo louco - disse outra vez a mulher, como se o arremedasse, como se o traduzisse.

Eu a ouvia através da parede. Imaginei sua boca se movendo diante do bafio de gelo e fermentação da geladeira ou da cortina de varetas crestadas que devia estar tesa entre a tarde e o quarto, ensombrecendo a desordem dos móveis recém-chegados. Escutei, distraído, as frases descontínuas da mulher, sem acreditar no que dizia.

Enquanto sua voz, seus passos, seu robe e os braços, que eu imaginava robustos, deslizavam da cozinha para o quarto, um homem repetia monossílabos, sem abandonar-se inteiramente à brincadeira. O calor que a mulher ia gretando então se reagrupava, suprimia as fissuras e se apoiava, denso, em todos os aposentos, nos vãos das escadarias, nos desvãos do edifício.

(trechos iniciais de A Vida Breve, do uruguaio Juan Carlos Onetti)

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